Ressuscitando a História do Violão


* Bogdan S. R. dos Santos
Alta Idade Média e Renascimento

Duas semanas de silêncio. Nenhuma explicação aparente. Imagino que o leitor mais interessado deste subtópico do blog tenha ficado desapontado com as duas semanas de silêncio. Porém nada do que ocorreu misteriosamente foi por um acaso preguiçoso. Pelo contrário, foi resultado de uma conveniente espera, que logo vocês aceitarão como um tempo usado prudentemente para ampliar as informações que eu já possuía. POR ISTO CONTINUO AINDA HOJE A HISTÓRIA DO VIOLÃO, e já peço desculpas por mais uma explicação, quero justificar corretamente as minhas faltas. Não houve postagem dia 23/10; eu aguardava uma palestra sobre a História do Violão, ministrada por um famoso Luthier do Uruguai, Ariel, no dia 26/10. Sinto desnecessário comprovar a importância desta espera para mim e para a já iniciada história do violão, pois tudo o que foi mostrado nesta quarta-feira estará disponível para vocês neste blog com a garantia de uma excelente referência histórica! Durante as duas semanas (e em parte por isto não houve postagem no dia 30/10) continuei a pesquisar e cavocar informações, apenas para que agora elas pudessem ser passadas fielmente para o leitor mais interessado.
Sem maiores delongas, a continuação da história do nosso querido cordófono, começando hoje no período de transição da Idade Média para a Renascença. Resolvi que seria melhor dividir a enxurrada de informações em garoas esparsas nas próximas semanas.

Até o final do período da Idade Média, transição para o Renascimento (aproximadamente 1490), todas as informações históricas são conseguidas a partir de fontes especulativas, vindas de iconografias, como vitrais, afrescos, esculturas, etc. Porém a partir destes registros pode-se definir aproximadamente algumas datas importantes; para o nosso assunto, é de grande importância notar que a partir do século XII a música sacra começou a utilizar novamente os instrumentos musicais em composições. As invasões árabes na península Ibérica trouxeram acidentalmente inúmeros instrumentos da cultura muçulmana para a Europa. No século XIII as fontes iconográficas mostram que a Vihuela era um instrumentos altamente presente na música. Este instrumento é o que pode ser chamado de antecessor indireto do violão, mas o mais importante que fez com que os cordófonos da época tomassem formas muito parecidas com a dos violões atuais. As curvas do violão, assim como a estrutura básica e as partes (corpo e braço) vieram deste instrumento.
No entanto, até o século XV, com a invenção da prensa móvel, era impossível saber das datas e formas exatas da Vihuela; surgida a possibilidade de copiar muitas vezes os guias de execução, construção e tratados sobre os mais diversos assuntos da música, a quantidade de registros aumentou o suficiente para que chegassem até os dias de hoje de forma muito mais detalhada. Outro fator é importante para que deixe-se de especular sobre como era a Vihuela no período renascentista: a partir de 1490 existem fontes
físicas sobre as características deste instrumento, pois os remanescentes mais antigos que contam a história da Vihuela são desta época. Estes instrumentos muito antigos mostram as tendências da época quanto à construção de instrumentos; é notório que os detalhes em todo o instrumento, com ornamentações dignas de obras de arte, fossem a moda no momento, e também um fator importante para a consagração da profissão de luthier, pois este teve que tornar-se um homem com um tato artístico e precisão detalhista inacreditáveis. As marchetarias (ornamentos feitos de pedaços de madeira colocados em relevos na madeira), as rosetas (estruturas com desenhos que lembram ramos de rosas entrelaçados, colocadas sobre a boca do instrumento, por vezes mais de uma boca), o fundo, laterais e braço possuíam composições de madeiras com cores alternadas. A principal característica dos instrumentos era de serem criações artísticas muito rebuscadas.
Como característica própria do instrumento que acompanhamos podemos citar o uso de 6 ordens, cada ordem com duas cordas (no total doze cordas), afinação igual a do Alaúde e um fato interessante que começou a ser considerado no Renascimento: o uso de instrumentos em diferentes alturas, definidos de acordo com a oitava que dominavam assim como no canto (soprano, tenor e baixo); com isto formavam-se grupos de instrumentos com a mesma construção mas com diferentes alturas de som, estes foram os chamados consorts.
Estruturalmente os instrumentos da época possuíam reforços no fundo e no tampo, estes eram feitos a partir de papel colado sobre a madeira. Como as cordas eram de tripas o som das notas graves era muito retraído, em parte foi isto que fez com que a afinação reentrante fosse adotada. Esta afinação fazia com que as cordas que seriam as mais graves hoje em dia, fossem afinadas
mais agudas do que as seguintes, isto, para um instrumento de 6 cordas, significava que a terceira corda seria a mais grave. As escalas dos cordófonos eram da mesma altura que o tampo, os trastes eram feitos de outros pedaços de tripas enrolados no braço, podendo ser movidos para possíveis ajustes de afinação. Todas estas formas estruturais e composições dos instrumentos fizeram com que neste período de renascimento do espírito científico, junto com um exagero exacerbado das artes, mirando a perfeição, a textura da música dos cordófonos dedilhados fosse muito leve, mais racional, inclusive um pouco retraída e indefinida. A partir destas inspirações da época a Vihuela ganhou um destaque popular para a música, também um instrumento da nobreza e que retratava um retorno da riqueza cultural e artística vindo em um crescente desenvolvimento desde o século XII, na Alta Idade Média.
É interessante notar que paralelo à riqueza das obras de arte de cortes e de pessoas de capacidade financeira avantajada, existiam os representantes populares dos instrumentos, sendo estes as imitações visuais do que se via nos nobres, mas com características peculiares da rústica construção popular, que são próprias da música das ruas.

Com uma formação parecida com a da Vihuela, seguindo praticamente a mesma estrutura, surgiu a Guitarra Renascentista; esta sim sendo um ancestral bem mais direto que fez surgir o violão. Sua acústica diferia em pouco com a Vihuela, mas as formas ficaram muito mais definidas quando ao fundo abaulado, detalhes estruturais do braço e principalmente os ornamentos, a roseta sendo única no tampo abaixo das cordas e ganhando detalhes cada vez mais rebuscados (algumas das peças eram feitas com papel, incrivelmente trabalhadas em profundidade). As Guitarras Renascentistas fizeram surgir a Guitarra Barroca.