Conto "Dezoito Anos" - Segundo lugar no Prêmio Santa Cruz de Conto e Poesia em 2009

Fonte original: http://www.santacruz.br/v3/setorcultural/resultado_premiosantacruzdecontoepoesia.html

Dezoito Anos


Dezoito anos, cabeça raspada, e a cara fechada de quem nunca olhou pro sol na vida. Por trás dos óculos escuros, o seu mundo era uma grande noite que não acabava nunca. Morava sozinho, tinha poucos amigos, e acordava cedo pra ir trabalhar, talvez sua vida fosse diferente se não se rendesse à ilusão de desacreditar. E o hoje o que ele fez? Bebeu, trabalhou e não havia tempo para pensar. Sonhar, a coisa mais difícil do mundo pra quem tinha medo de parar.

Casa alugada, carro emprestado, a namorada ele deixou pra trás, calça rasgada, tênis surrado, nem o dinheiro traz sozinho o que você não faz. Todos os dias virava a esquina de olhos no chão, e lembrava a família que ele abandonou. Naquele dia que brigou com a mãe, bateu a porta, e deixou quebrado mais de um coração.

No trabalho o tempo todo algo teimava em incomodar. Durante o sono, nos pesadelos, havia algo pra se consertar. O arrependimento quando vem é mais discreto do que a dor, que quando dói você não pode fugir dela, ou mascará-la, o que ele tentava constantemente fazer. A sua insônia tinha um nome, e era o preço que pagava por perder o amor de sua família. Na sua casa mesmo incompreendido, ele tinha um quarto para ficar, depois se achava que estava errado era só abrir a porta pra qualquer coisa se acertar. Agora o seu melhor amigo era cego, e se chamava solidão, a solidão não contraria nada, fica ali calada ao seu lado, aceitando tudo o que você quiser, mas dentro dela não há um coração, só o silêncio.

Entre os conflitos internos agora restavam um orgulho morto, e um medo escondido, então voltou pra casa. Contudo nada havia pra encontrar. Aquela terra vermelha, onde brincou um dia com seus irmãos, em longas tardes de sol, virara concreto do primeiro andar. Vizinhos olham assustados e contam pra ele o que aconteceu. Destino trapaceiro foi ainda mais rebelde que ele, a morte havia levado seu pai. Neste momento o que restava do seu sorriso desapareceu. Ficou sabendo que sua família foi embora, sua mãe ali já não podia continuar, e nem tinha porquê. Naquela terra maldita, perdeu filho e marido, e não tinha sentimento algum pra se apegar. Arrumara as malas e levara os filhos que ainda lhe restava para bem longe, onde o sol pudesse abençoar a vida rasgada ao meio que lhe tinha sobrado.

E essa é a história do que passos sem sentido pode fazer na sua vida acontecer. Cadê orgulho? Cadê raiva agora? Sua frustração já não podia esconder.

Longo silêncio e a sua vida passava em seus olhos como um filme de amor. Contudo não havia tão bonito um final feliz, em seu lugar, desesperança, medo e dor. Sentou no meio-fio fechou seus olhos, lágrimas quentes escorriam para o chão, e as vozes de consolo eram já tão longe, confundidas com o trânsito, eram em vão.

E tudo estava muito confuso em sua cabeça, luzes e brilho ofuscavam sua visão. O sol parecia estar se pondo dentro dos seus olhos, e o mundo girava loucamente, como que um furacão interno, que tira tudo, e embaralha as cartas na sua mente, sem te tirar do lugar. Então abriu seus olhos, acordou suado, olhou em volta estava sentado no chão. O chão gelado era do quarto de sua casa. Impossível. Levantou correndo, abriu a porta e viu seu pai sentado lendo seu jornal matinal como se nada houvesse acontecido. Como? Interrogações lhe brotavam na mente em milésimos de segundo. Sei pai tão confuso quanto ele:

- Ora garoto, onde é que você vai? Está muito cedo ainda.

E tudo não passava de uma miragem, um pesadelo que levou à compreensão. Da importância que talvez não percebesse, que essa riqueza estava toda em suas mãos. Era uma impressão de que voltava no tempo, o déjà-vu de ver sua família ali. Talvez seria essa a chance de consertar seu passado, e perceber talvez, o quanto era feliz.

E hoje eu encontrei com ele, foi pra mim que alegre ele desabafou, fui um velho amigo de sua infância, cujo qual um dia ignorou. Contou que tinha ganho uma segunda chance, ou ao menos foi o que imaginou. E nunca mais agirá com seu destino, antes de lembrar dessa lição, colocara uma virgula em sua vida, onde um dia colocara um ponto. Levei à sério as suas palavras, e escrevi esse conto.

Eu acredito, ou não acredito, ou desacredito, ou nem sei no que acreditar. Eu tenho liberdade de levar a minha vida até onde eu quiser chegar. Nem todo erro eu preciso viver pra aprender que não preciso errar, escuto tudo, vejo tudo, sinto a vida e ainda tenho voz pra te falar. Ainda há tempo de rever sua caminhada. Como é que você cuida do que tem? No que realmente você acredita a fundo? Se é satisfeito só por ter ou ser alguém? Imaturidade, experiência, ser um adulto e ter seus sonhos, uma criança que quer ser grande, ou ter apenas dezoito anos.